24 junho, 2012

na fábrica


Stephen Shore, Ivy Nicholson, the Factory Party, circa. 1965-1967
©Stephen Shore


Da Factory para o mundo

A fotografia no viveiro pop de Andy Warhol
(ípsilon, Público, 15.06.2012)

Os reflexos sempre tiveram uma relação agridoce com a fotografia – quando aparecem nunca se sabe bem se é defeito ou feitio. Vinda de um fotógrafo, a acção de forrar a prateado um lugar onde vai trabalhar parece, no mínimo, arriscada, não fosse esse lugar a Factory, viveiro de arte caleidoscópico, concebido para ver, ser visto, ver quem vê, ver o reflexo, a sombra, o original, a cópia, o duplicado, o triplicado... Quando se tornou fotógrafo da casa, em meados dos 60, Billy Name já tinha o quarto forrado com tinta prateada e folhas de alumínio. Andy Warhol viu e gostou tanto que lhe pediu uma cópia da decoração para o atelier. E com o prateado vieram também os espelhos partidos, por onde já andavam máquinas de imagem de toda a natureza e feitio. A Factory sempre se deu bem com objectivas e é Name (nascido William Linich) quem fornece (em entrevista a Collier Schorr, 1997) a metáfora perfeita para o que se passava no seu interior: “Andy era fascinado por qualquer coisa tecnológica. Era como se a Factory se tivesse transformado numa câmara de caixa grande – entrávamos nela, ficávamos expostos e revelávamo-nos.” Este festim exibicionista, saturado e performativo alimentava-se da imagem e, logo, vivia bem com reflexos imediatos, estivessem eles na superfície de uma polaroid, nos quadrados de uma fotomaton ou na distorção prateada devolvida pelo espelhado das paredes.


Com luzes ténues, chão preto e parte das paredes pintadas a negro, o piso subterrâneo do Teatro Fernán Gómez, de Madrid, está mais perto da imagem de uma camera obscura do que de um lugar onde tivessem congelado para sempre o momento exacto do disparo de um flash. Mas, por estes dias, há pelo menos uma parede forrada a prateado para que quem visite a exposição De la Factory al Mundo. Fotografía y la comunidade de Warhol tenha a sua dose de reflexo e possa experimentar uma nesga da estética proto-glam que ficou como uma das imagens de marca do atelier, casa de festas, lugar de experimentação que foi a primeira morada da Factory, no número 231 da rua 47 Este, de Nova Iorque. Com lugar cativo na secção oficial do festival de fotografia e artes visuais PHotoEspaña, aquela que é exposição-estrela (não podia estar lá de outra maneira) entre as mais de 300 inaugurações agendadas para a edição deste ano mostra um conjunto de obras de dez fotógrafos e artistas visuais com registos e métodos de trabalho muito distintos (Richard Avedon, Cecil Beaton, Stephen Shore, Billy Name…). São singularidades que formam um mosaico rico e que dão uma boa panorâmica da diversidade da fauna que vivia na Factory, que passava por ela e que a admirava. Apesar do ambiente “sempre em festa”, a comissária Catherine Zuromskis, historiadora de arte e especialista em imagem vernacular, fez questão de sublinhar no dia da inauguração (com as folhas de alumínio como cenário, claro) que “havia também quem criticasse” e “achasse que era palco de excessos” (o trabalho fotojornalístico de Nat Finkelstein é dos menos comprometidos com os ideais pop de Warhol).


Andy Warhol, já se sabe, vivia obcecado com as imagens (“Uma das boas razões para me levantar de manhã é saber que tenho um rolo de fotografias para revelar”). Alguém que abraçou a multiplicidade, a cópia e a serialidade como ele abraçou só podia ter com a fotografia na Factory uma relação do tipo “amigo que pode aparecer e entrar sem ser convidado”. A máquina de produção em série em que se transformou “a oficina” warholiana precisava da imagem fotográfica para garantir o máximo de publicidade e alarde, mas a relação de Andy com o suporte em si e os mecanismos que o criam esteve sempre longe do cânone e de um uso que se possa chamar profissional. Achava demasiado complicado ter de pensar em vários pormenores técnicos antes de disparar. Preferia a instantaneidade à nitidez, a informalidade à exposição correcta ou à composição equilibrada. Fascinava-o a vulgaridade, a rapidez, a fotografia vernacular e o amadorismo (juntou caixas de fotografias que os clientes de laboratórios desistiam de levantar).


Da fotografia enquanto suporte comercial, interessava-lhe sobretudo a sua fecundidade, mecanismo gerador de infinitas imagens, poderoso meio de convencer, de registar e de transmitir mensagens de leitura universal. E por isso procurou máquinas e formatos que lhe facilitassem o registo puro e duro do que lhe aparecia pela frente (tinha dezenas de máquinas compactas e gastava em média um rolo de 36 exposições por dia). E por isso também deixou para outros a tarefa de documentar com outro pendor estético, porventura mais próximo da convenção, a dinâmica social e o frenesi criativo que atravessou as diferentes moradas da Factory, sempre povoada de uma mistura ininterrupta de assistentes de estúdio, empregados, amigos e visitantes. Apesar de haver fotografias da autoria do próprio (algumas das quais libertadas há pouco tempo pela fundação que gere o património do artista e pouco conhecidas) e dos seus colaboradores, a exposição no Fernán Gómez procura fazer o retrato da comunidade contracultura que ali germinou novas propostas através do olhar dos que rodearam o estúdio com motivações díspares.


Name, o surfista prateado

Talvez a máquina de imagens em que se transformou a Factory não tivesse tido o sucesso que veio a ter sem o trabalho fotográfico de Billy Name, um dos responsáveis pelo mito prateado em que se transformou o estúdio durante os anos 60, não tanto por ter forrado as paredes, mas por lhe ter dado imagem. Name, que trabalhava como iluminador de palco, foi contratado por Andy para fazer um registo exaustivo dos processos criativos e do quotidiano do atelier que incluía todo o séquito warholiano (Edie Sedgwick, Mary Woronov, Ondine, Candy Darling…), quer se tratasse de trabalho ou diversão, se é que é possível distinguir as duas coisas num lugar como a Factory. Como fotógrafo da casa, Billy Name tinha o privilégio de presenciar momentos únicos e de estar nos instantes de maior descontracção no seio do grupo. Apesar de ter feito imagens a preto e branco e a cores, são as primeiras que melhor conseguem definir o espírito da casa e aquelas que permanecem no imaginário cultural, talvez graças à sua queda para as superfícies refulgentes, para os contrastes acentuados e dramáticos. “A obra de Name [na Factory] capta uma cultura que tanto pode ser ordinária como extraordinária, que permite às pessoas comuns converterem-se em estrelas de cinema e que mostra as estrelas de cinema como pessoas comuns”, escreve Zuromskis no catálogo da mostra.


Como sinal de que tudo se passava com uma grande dose de informalidade e de que Andy Warhol nunca achava demais o registo fotográfico daquilo que fazia (qual seria a sua medida da exaustão visual?), Stephen Shore ainda andava na escola secundária quando recebeu um sim para entrar com a sua câmara na Factory. Sem o nunca o rejeitar, os residentes do estúdio também nunca o aceitaram completamente, uma tensão revelada em muitos olhares desconfiados (e às vezes reprovadores) que uma atitude entusiasta e curiosa de que chega a um circo artístico não conseguiu dissipar. As imagens de Shore, contemporâneas das de Name, são de composição mais cuidada, preferem isolar os sujeitos em poses alienadas, focam muitas vezes pormenores da floresta warholiana só possíveis de vislumbrar por alguém que vem de fora e até resvalam para o trágico-cómico, como a profética imagem de uma mulher a apontar uma pistola de brincar à cabeça de Andy Warhol. Vedado a momentos mais intimistas, são dele muitas das imagens de festa que marcou a identidade daquele espaço.


Num extremo oposto ao fulgor narrativo e profissionalismo das fotografias de Shore, estão as instantâneas Polaroid de Brigid Berlin, uma das superestrelas elevadas pela Factory, e as tiras de fotomatón com que Andy Warhol se deslumbrou durante anos. Quando se tratava de captar a camaradagem e o rodopio social à volta do grupo (Berlin foi a mais fiel compagnon de route de Warhol, controlou a recepção da Factory durante anos), ambos cultivaram um gosto particular por formatos vernaculares. No final dos anos 60, Brigid Berlin terá sido uma das primeiras a experimentar polaroids com dupla exposição. Fez retratos incisivos e sobreiluminados, deixando uma das facetas imagéticas mais cruas do ecossistema humano que gravitava à volta do líder. A par do negativo quadrado da Kodak Instamatic, a Polaroid foi também um dos formatos preferidos de Andy que captou sobretudo naturezas mortas e nus masculinos. Terá sido Berlin a iniciá-lo na estética do instantâneo, na satisfação pela imagem imediatamente concretizada. Aqui Andy nunca aparece. Prefere o prazer de ver do que o de ser visto.


Andy, agarrem-no se puderem

Tido como distante no trato e emocionalmente frio, Andy Warhol podia estar no centro de tudo, mas não queria (ou não queria que parecesse que queria) ser o centro de tudo, não fosse ele contra o endeusamento da noção de autoria. Em “Just Kids” (“Apenas Miúdos”, Quetzal, 2011), Patti Smith escreve que Andy costumava comportar-se como “uma enguia”, alguém que era “perfeitamente capaz de se esquivar a qualquer confronto significativo”. Quando ainda era um aspirante a fotógrafo, Robert Mapplethorpe sonhava conhecê-lo, mas Patti duvidava que um eventual encontro pudesse ser produtivo. Uma imagem certeira dessa postura esquiva é a fotografia panorâmica de grandes proporções feita por Richard Avedon, onde o fundador da Factory surge de braços cruzados, a um canto da imagem e a olhar para fora dela, como se estivesse plenamente consciente do perigo de eclipsar a importância do seu séquito de superestrelas queer na cena.


Foram inúmeros os fotógrafos que passaram pela Factory nas suas várias moradas. Uns procuraram fazer parte do Olimpo da arte pop, buscaram a fama, outros quiseram testemunhar o processo, o êxtase criativo em comunidade, e outros simplesmente preferiram divertir-se enquanto disparavam fotografias. A presença da imagem fotográfica na Factory foi absoluta, epidérmica e obsessiva. A exposição comissariada por Catherine Zuromskis tem a virtude de mostrar em proporções equilibradas (e diversificadas) registos mais próximos do documento puro e instantâneos do quotidiano, da intimidade e da dependência de uma comunidade em gerar imagens, qualquer que fosse o formato, o suporte, o lugar ou o sujeito. Os objectivos: chegar a um público cada vez amplo e heterogéneo, chegar à difusão, ao consumo e à consciência globais.


Apesar de omnipresente na sua vida e na vida do espaço que funcionava como uma extensão natural da sua existência, Andy Warhol dá a entender, durante uma entrevista à American Photographer, em Outubro de 1985, que usa o suporte fotográfico apenas porque sim, apenas porque costuma sair sempre de casa “com uma câmara no bolso”, como quem calça os sapatos para não andar descalço. Nos últimos anos de vida, Andy continuou a fotografar compulsivamente, mas cada vez mais fora do universo da Factory e num registo pessoal. Através destas imagens, vemos como ele viu o mundo fora do conforto do seu espaço e dos rostos familiares. Como não podia deixar de ser, as milhares de fotografias que resultaram de várias viagens pelo mundo tiveram, pelo menos, um espectador, o fotógrafo Christopher Makos. Ou seja, alguém de confiança que pudesse continuar a registar o “espectáculo visual Andy” no seu lugar. Makos não era um fotógrafo extraordinário, mas o jogo de imagens que conseguiu estabelecer com Andy a viajar e a fotografar em contextos estranhos ao seu habitat natural resistem como poderosos documentos, como se de um diálogo visual incessante se tratasse. Diálogo visual que está na fotografia de Makos que encerra a exposição onde Warhol surge de câmara em riste. O título: “Andy Shooting Me, and You Too”.



Stephen Shore, Edie Sedgwick using the only phone in the Factory, circa. 1965-1967
©Stephen Shore



Christopher Makos, Andy Shooting Me, and You too, 1986
©Christopher Makos
  

18 junho, 2012

encontros

© Scott Schuman



Crónica
Encontros extraordinários


Sartorialist, de Sartorial/adj. [A] fml or humor concerning (the making of) men`s clothes: a man of great sartorial elegance (=neatly and stylishly dressed) - ly adv. 
(in Logman, Dictionary of contemporary English)
 


Às vezes (muitas vezes) os comunicados de imprensa são um chorrilho de frases feitas, disparates avulsos, ideias desconexas e palavras nas entrelinhas que se querem impingir. Outras vezes (raras) acertam na mensagem, dizem o essencial sem querer vender a “banha da cobra”. Outras vezes ainda (muito mais raras) conseguem trazer algo de verdadeiramente acertado, uma palavra, uma ideia, uma descrição que nos leva a pensar e repensar naquilo que vimos com os próprios olhos. Vi na loja da Loewe da Gran Vía de Madrid a primeira exposição de fotografia por terras ibéricas de Scott Schuman (até 5 de Agosto), um dos mais reputados bloggers de moda da actualidade e, seguramente, um dos mais influentes fotógrafos de rua que os últimos anos conheceram

Dei umas três voltas à pequena sala alcatifada, apontei umas notas num caderno, bebi um copito de champanhe e comi muita fruta fresta a pensar no calor e no desgaste de mais uma jornada de inaugurações do PHotoEspaña 2012 (PHE), festival onde a exposição de Schuman figura na secção oficial. Nenhuma dessas notas com letra tipo receituário de médico inclui a descrição que, parece-me agora, melhor resume o trabalho de Schuman – ela está no papel que um discreto relações públicas nos entregou. Não sei se foi ele que escreveu o texto do comunicado, mas é capaz de ter sido. Troquei umas palavras com ele. Pareceu-me sereno, sabia do que falava. E, no final, deu-me um envelope preto com um cartão-de-visita e o texto que agora leio com interesse e com prazer até ao fim. Diz em quatro parágrafos o essencial sobre o trabalho de Schuman, é clarividente e ainda tem a virtude de nos iluminar, coisa rara, como já disse. Começa com uma citação certeira de Henri Cartier-Bresson segundo a qual o sucesso do processo fotográfico depende sobretudo do alinhamento no mesmo eixo de três coisas: a cabeça, o olho e o coração. Pode parecer uma tese romântica e meio utópica até, mas, neste caso, assenta que nem uma luva - o trabalho deste americano de Indianápolis tem estas três virtudes idealizadas pelo mestre francês.

As imagens de Scott Schuman são muito mais do que fotografias de moda, de tendências ou de luxo. Estão muito para lá do exercício de vaidade, da caça de talentos ou da procura de fashion victims. São imagens que revelam uma enorme sensibilidade estética, uma grande perspicácia do olhar e uma sagaz capacidade de convencer – no final de contas, são fotografias de encontros extraordinários. Encontros que muitas vezes nos dão uma melhor imagem do tempo em que vivemos do que uma centena de fotografias impressas num jornal do dia. Schuman persegue aquilo que melhor caracteriza o indivíduo. Pode ser uma fatiota dandy, um acessório da feira-da-ladra ou o rosto, claro. Porque são os rostos que fornecem persona ao estilo. Se fosse de outra maneira, bastaria a Schuman fotografar cabides com roupa trendy-chic. É por isso que o criador do The Sartorialist é, sobretudo, um retratista. Chamemos outra vez o texto da Loewe, a marca que patrocina a exposição de Madrid, que diz que “há tantas maneiras de definir estilo como indivíduos”. Verdade. Schuman sabe disso fazendo da rua o seu viveiro, o seu terreno de labor. É lá onde estão os rostos do quotidiano. O estilo individual. Livre. A sensualidade e a elegância espontânea, l`air du temps.

Em termos formais, as imagens de Scott Schuman são muito rigorosas e quase sempre obedecem a uma composição onde o sujeito aparece de corpo inteiro com contexto mínimo da rua onde se cruzaram. O fotógrafo tem por hábito identificar o local onde capta as imagens, mas há por vezes referências visuais que nos atiram directamente para o universo geográfico daquele instante, como se dissessem 'estou aqui e esta é minha rua, o meu bairro, a minha cidade – pertenço a este lugar'.

As revistas de moda, tantas vezes montra e espaço de afirmação de grandes fotógrafos, perceberam rapidamente o potencial das imagens do blogue de Schuman e levaram-nas para as suas páginas (GQ, Vogue Italia, Vogue Paris, Interview). Depois vieram as galerias de arte e os museus. O comunicado (aí vem ele outra vez) refere dois dos mais significativos – o Victoria & Albert Museum, de Londres, e o Tokyo Metropolitan Museum of Photography. O primeiro fotolivro de Schuman saiu com a chancela da Penguin e já ultrapassou as 100 mil cópias vendidas. O segundo está no prelo (deve sair em Agosto deste ano).

Confesso que entrei na loja da Loewe com preconceitos pensando que este casamento tinha algum potencial para dar para o torto. Um festival de fotografia e uma marca de luxo – hmmmm... O certo é que à medida que iam distribuindo fruta fresca e as imagens corriam à minha frente, fiquei convencido do contrário. Conjugada com a primeira plataforma de divulgação do seu trabalho, um blogue, a exposição tem tudo para encaixar na perfeição no tema do PHE deste ano – Desde aqui - Contexto y internacionalización (A partir daqui – Contexto e internacionalização), uma tentativa de problematizar a forma como o contexto deixa de ser um conceito redutor do local onde é produzida a obra para passar a ser um caminho privilegiado para se construir discurso e cultura com projecção global.

O comunicado é curto (como convém) e diz quase tudo, mas também tem erros de palmatória, como quando escreve “Henry Cartier Bresson”. O comunicado descreve o trabalho de Scott Schuman como uma tentativa de captar a diversidade da paisagem humana sem cair na jaula das classificações. E eu concordo. “Paisagem humana” é um bom resumo do que são as fotografias do Sartorialist.

Que pena Schuman não se ter cruzado nunca com o Zé da Guiné. De certeza que teria sido um desses encontros extraordinários - o alfaiate visual com o Lisbon's king of cool.



(do blogue trendez)

17 junho, 2012

PHE12 # 3

Yuki Aoyama, Undercover, 2008-201 (da exposição Asia Serendipity)
© Yuki Aoyama



>Desde que começou o projecto Trasatlántica (que procura lançar novos valores na fotografia da América Latina) esta é a melhor selecção que vi no Instituto Cervantes. A mostra, que tem o sugestivo título Esquizofrenia Tropical, foi comissariada pelo brasileiro Iatã Cannabrava e reúne 14 trabalhos que se expressam através da fotografia documental. Os desequilíbrios urbanos provocados pelo crescimento desenfreado das grandes metrópoles são a uma das motivações principais dos participantes seleccionados. Achei particularmente interessantes os trabalhos de Tatewaki Nio (Brasil), Tuca Vieira (Brasil), Pedro David (Brasil e José Luis Cuevas (México).

>No Círculo de Bellas Artes está o coração do PHE12. As três exposições que abriga (Aquí Estamos; Manuel Vilariño - Mar de AfueraDaniele Tamagni - Caballeros de Bacongo) são do melhor que há na programação deste ano. Em Aquí Estamos descobri o trabalho notável da chilena Paz Errázuriz e senti que talvez seja a exposição que melhor defende o eixo temático da edição deste ano, Desde Aquí - Contexto e Internacionalización. Para meados de Julho abre ao público La maleta mexicana. Robert Capa, David Seymour Chim y Gerda Taro, que talvez se venha a transformar no maior best-seller do PHE12.

>Este ano a monarquia espanhola preferiu resguardar-se das objectivas para a inauguração oficial do PHE12 (terá sido a caçada do rei?) e cedeu o lugar à alcaldesa de Madrid, Ana Botella, do clã Aznar.

>As duas exposições do Real Jardin Botánico (Espacio Compartido e air_port_photo) só se puderam vislumbrar por causa do magote de gente que acorreu aos acepipes e à cerveja gelada.

>Como já se fazia tarde, em vez de esperar pelas tapazinhas fui direito ao El Brillante para o bocadilho de calamares mais especial da cidade. E agora não são só os empregados que berram a cada pedido à cozinha - é a televisão no máximo para acompanhar tudo o que se passa à volta da roja no euro 2012.

>Antes de regressar à base, ainda passei pelo Fernán Gómez para ver Asia Serendipity com outra calma. A exposição é comissiariada por Fumio Nanjo, director do Mori Art Museum de Tokio. No geral, não surpreende nem emociona. Fraquinha.


Alberto García-Alix, Anna`s Arm, 1/3, 1992(da exposição air_por_photo)
© Alberto García-Alix

PHE12 # 2

Stephen Shore, Nico, circa. 1965-1967
Cortesia Stephen Shore/303 Gallery, New York © Stephen Shore

>A La Fabrica, que organiza o PHE, é um polvo com muitos tentáculos (no bom sentido da expressão). Procura sempre estirar-se para fora do seu território natural. Há dois anos, deu início à operação Barcelona, depois de a capital catalã ter perdido o seu festival de fotografia mais importante, Primavera Fotografica. Através da revista OjodePez, está agendado o segundo forum internacional de fotografia documental nos dias 28, 29 e 30 de Junho, no La Virreina Centre de la Imatge. O encontro deste ano procurará reflectir sobre a importância da presença das mulheres na fotografia documental de hoje juntando um painel exclusivamente constituído por mulheres. Haverá críticas de portfólios, mesas-redondas, workshops e projecção de imagens. Mais informações aqui

>No Teatro Fernán Goméz é sempre um prazer entrar. Não tem janelas. Concentramo-nos no essencial. Na apresentação da exposição-estrela desta edição do PHE - From the Factory to the World. Photography and the Warhol Community - fartei-me da tradução simultânea inglês/espanhol e fui ver fotografias. Não há dúvida que é das apostas mais interessantes do festival. As imagens de Stephen Shore a preto e branco (que foi para a Factory por especial favor de Warhol quando ainda nem tinha terminado o secundário) são uma surpresa absoluta. Há retratos extraordinários, como o de Nico concentrada num papel. De resto, a escolha dos nomes representados resulta em cheio pela diversidade de aproximações ao ninho de Warhol.

>O cubano Carlos Garaicoa usa a fotografia no seu trabalho criativo de artes plásticas há mais de 20 anos. Começou a conferência de imprensa a avisar que não se considerava fotógrafo e eu fiquei logo em sentido - não fosse confundi-lo. Carlos pode achar que não é fotógrafo, mas aquilo que faz com a fotografia também é fotografia. A retrospectiva que lhe dedicaram no Museo Colecciones ICO inclui obras com distintas aproximações às linguagens da fotografia e fica demonstrado que o suporte é fecundo é plástico. Carlos lá foi explicando o que o movia, mas quando chegamos á última parte da mostra era impossível ouvir e ver o que quer que seja - alguém ali tem resolver o problema do soalho a ranger. Mas o bom desta visita ao ICO foi uma compra que fiz já à saída - Fotógrafos Made in Hungary - Los que se fueran/Los que se quedaran.

>A Casa de Velázquez é um palacete imponente que pertence ao Governo francês. Serve há quase 100 anos para abrigar artistas e investigadores das mais diversas áreas. Entre os bolseiros deste ano, havia quatro artistas a utilizar a fotografia e foram esses trabalhos que fomos lá ver. As imagens de penhascos íngremes de Anne-Lise Broyer, meio caminho entre desenho e fotografia, foram as que mais me surpreenderam. Para além das condições (e instalações) extraordinárias para fazer arte e desenvolver conhecimento.

>No sempre espectacular Canal de Isabel II, vimos as imagens de Rosa Muñoz sobre a ameaça de extinção do pequeno comércio. São criações que partem de centenas de fotografias para darem corpo a formas mais ou menos apocalípticas que antecipam um desastre dos pequenos negócios de rua. Foi das mostras que menos gostei - algumas imagens pareciam um jogo de lego, onde o importante era conseguir encaixar uma peça na outra e nada mais.

>No Matadero, moram as três propostas mais alternativas e mais próximas das artes visuais no sentido mais lato do termo com que se constrói todos os anos o PHE. No final do balcão de atendimento do Matadero, há um computador que passa imagens incessantemente. Podem ser submetidas por qualquer pessoa e são escolhidas pelo colectivo Raqs Media, sediado em Nova Deli, Índia. Supostamente há um site onde essas imagens vão sendo mostradas - o problema é que eu não o encontro por nada deste mundo. Juro que vi lá o site a funcionar, mas agora nadinha...

>Depois de uma série de zigue-zagues pela cidade, com enganos sobre onde era realmente a exposição do romeno Ion Grigorescu, lá se chegou ao sítio onde nos esperava uma sala com muitas cadeiras (vazias), um palanque e o artista com um ar desamparado e desgostoso. No final da apresentação da comissária, assisti ao silêncio mais incómodo de que tenho memória. Tenho dificuldade em avaliar o que vi. Havia panos pendurados no tecto com imagens digitalizadas emolduradas por outras imagens digitalizadas de tapetes antigos. Já vi várias exposições más no PHE, mas esta, para mim, bateu tudo.

>Para o final da noite estava reservada a abertura da maioria das exposições das 37 galerias associadas ao festival. Fui até perto do Bernabéu e escolhi a IvoryPress que apresenta Revelaciones. Historia del fotolibro en Latinoamérica. Horacio Fernández andou numa roda-viva e via-se que era um homem feliz pela concretização de um projecto que demorou quatro anos (e muitas viagens) a realizar. A exposição é soberba e o livro que está na sua origem também. Foi, decididamente, uma escolha acertada.

>Madrid parece que não dorme. Jantar num Vips às tantas é coisa normal. A companhia do frenético Bill Kouwenhoven tornou a refeição bem mais interessante.

 
Carlos Garaicoa, Valla Resistir, 1991
© Carlos Garaicoa

05 junho, 2012

PHE12 # 1


© Wang Ningde


 >O que é pior do que ficarmos sem mala depois de tempos indefinidos a olhar para o tapete rolante? Esquecermo-nos do código do cadeado com que pretendemos guardar a virgindade da dita, por exemplo...

>O comissário chinês Huang Du foi de tal maneira entusiasta a apresentar a exposição Image Anxiety, na sala Alcalá 31, que se esqueceu que entre 40 presentes talvez apenas a tradutora que o acompanhou percebia mandarim. A conferência até começou bem com uma frase ou duas logo traduzidas. Mas depois, Du pensou falar uma língua universal que todos compreendessem e foi por ali fora durante uns bons 10 minutos deixando a rapariguinha da tradução meio confusa e a sala com vontade rir. A sempre perspicaz presidente da comunidade de Madrid lá tomou a iniciativa e desfez o equívoco interrompendo o discurso. Mas a tradutora, coitada, lá teve de ler um papel com o texto da exposição. Até parecia que Du queria pôr em prática uma das teses da mostra que organizou a convite do comissário-geral, Gerardo Mosquera - a de que a globalização alterou tudo (salvo o facto de muitos ainda não perceberem patavina de mandarim...). Do conjunto de imagens escolhidas por Du, o destaque vai para os retratos sonolentos de Wang Ningde e para os poderosos nómadas de Winfred Bullinger.

>Nos labirintos de Lavapiés o melhor mesmo é guardar a mala como deve ser (com cadeado e tudo), não vá o diabo tecê-las. "Estamos em Lavapiés. Nunca se sabe", avisou a directora do espaço Off Limits onde fomos descobrir duas imagens (e dois artistas) que ficaram um bocado chateados com o chinfrim que se fez à volta da visita do papa a Madrid. Santiago Serra e Julius von Bismark inventaram um processo a que chamaram image fulgurator com o qual selam a sua opinião em cima de imagem criada pelos flash de outras máquinas. "NO" diz o "carimbo hologramado". Para que não restem dúvidas.

>O que reparei é que muitos sítios põe o marketing do "wi-fi" de borla à porta e depois, bem vistas as coisas, aquilo vai abaixo sem se conseguir fazer uma instagramada sequer. Vou fazer queixa deles todos.

>No luxo da Loewe vimos os tipos captados pelo olho cirúrgico do mais influente blogger de moda do planeta e arredores - Scott Schumann. Aquilo não é só estilo e vestimenta - é bom retrato feito por alguém muito atento àquilo que também somos através da forma como nos engalanamos e nos damos a ver aos outros.


© Scott Schumann

 
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